Em "A Hora da Estrela", Clarice Lispector apresenta Macabéa, uma jovem nordestina que vive nos confins do Rio de Janeiro, tentando encontrar seu lugar em uma metrópole indiferente. Através da perspectiva do escritor fictício Rodrigo S.M., a obra explora temas de identidade, alienação e a busca por significado, enquanto desafia as convenções narrativas e mergulha profundamente na essência do ser.
Livrooncebida para celebrar o quadragésimo aniversário de sua publicação, esta edição especial de A hora da estrela reproduz pela primeira vez diversos manuscritos originais de Clarice Lispector. Traz, ainda, uma série de textos de referência, de estudiosos e ensaístas brasileiros e estrangeiros. Paloma Vidal se debruçou sobre os manuscritos propriamente ditos, ao passo que Hélène Cixous, Colm Tóibín, Florencia Garramuño, Nádia Battella Gotlib, Clarisse Fukelman e Eduardo Portella focalizaram todos os diferentes aspectos deste que foi o último livro escrito por Clarice. Uma obra de perfil único e original, conciliando habilmente a inovação estilística com os problemas sociais vividos por aqueles que, como a desventurada Macabéa, são obrigados a abandonar o Nordeste natal em busca de melhores condições de vida em outras paragens, nem sempre hospitaleiras. Clarice Lispector dispensa apresentação, já foi consagrada, há muito, como uma das melhores escritoras de língua portuguesa de todos os tempos. Seu talento invulgar se manifestou nos mais diversos campos literários, do romance ao conto, da crônica ao livro infantil, do ensaio à tradução, sempre com um toque distintivo e único, inimitável e difícil de classificar. Clarice é tão única que pode ser descrita apenas como Clarice, assim como Machado de Assis é apenas Machado, prescindindo de sobrenome, apêndices acadêmicos e filiação a escolas e grupos literários. Clarice é, claro, um enigma. Um mistério que amamos decifrar, mesmo sabendo que toda conclusão é apenas provisória e forçosamente parcial, diante de seu talento poliédrico e original.
Pouco antes de morrer, em 1977, Clarice Lispector decide se afastar da inflexão intimista que caracteriza sua escrita para desafiar a realidade. O resultado desse salto na extroversão é A hora da estrela, o livro mais surpreendente que escreveu. Se desde Perto do coração selvagem, seu romance de estreia, Clarice estava de corpo inteiro, todo o tempo, no centro de seus relatos, agora a cena é ocupada por personagens que em nada se parecem com ela. A nordestina Macabéa, a protagonista de A hora da estrela, é uma mulher miserável, que mal tem consciência de existir. Depois de perder seu único elo com o mundo, uma velha tia, ela viaja para o Rio, onde aluga um quarto, se emprega como datilógrafa e gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio. Apaixona-se, então, por Olímpico de Jesus, um metalúrgico nordestino, que logo a trai com uma colega de trabalho. Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso, bem diferente do que a espera. Clarice cria até um falso autor para seu livro, o narrador Rodrigo S.M., mas nem assim consegue se esconder. O desejo de desaparecimento, que a morte real logo depois consolidaria, se frustra. Entre a realidade e o delírio, buscando social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu um livro singular. A hora da estrela é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues.